“Quando a escola é de vidro.”

Alzira Willcox

 

Uma das escritoras mais destacada da literatura infantil se chama Ruth Rocha. Os livros de Ruth Rocha, em linguagem adequada à criança, mas não infantilizada, tratam de temas interessantes, atuais, permanentes, políticos e propõem sempre uma reflexão adulta.
Quando trabalhava como coordenadora numa escola privada, propus às professoras a leitura de um livro de Ruth Rocha cujo título é: “Quando a escola é de vidro”.
O narrador da história é um menino cujo nome não é apresentado. Um menino como muitos outros que estuda numa escola na qual, logo que chegava um aluno novo, ele tinha que se meter num vidro. Sim, num vidro. Cada aluno recebia um vidro. E o vidro não dependia do tamanho de cada um, não. O vidro dependia da série que cada criança cursava.
Como se vê, a história já começa com uma bela metáfora. Crianças em vidros. E ela vai falando das mazelas da escola que começa por não prestar atenção às diferenças individuais. Não importava se havia alunos magros, gordos, altos ou baixos, o vidro era o mesmo. Atarraxava a tampa e pronto. Todos em vidros. Os mais velhos se acostumavam porque sempre tinha sido assim… Os pais tampouco se queixavam e achavam até bom impor disciplina porque educar “requer muita disciplina”.
Por que pedir aos professores que lessem um livro infantil? Porque numa linguagem apropriada, Ruth Rocha descreve exatamente o que é a escola. Em geral a grande maioria das escolas trabalha com vidros metafóricos e os pais aceitam e aplaudem porque foi assim que estudaram e não há questionamentos.
Os programas que se repetem ano a ano, os exercícios automatizados, as listas para memorizar, o estudo de algumas matérias, propícias a pensar e provocar novas ideias, reduzido a resumos e decoreba. E a avaliação? Instrumentos mal utilizados, provas nem sempre dentro dos objetivos trabalhados. Questões mal formuladas e péssima distribuição de pontos. E os alunos, em seus vidros, adaptando-se, uns mais facilmente, outros com muita dificuldade e alguns que quebram o vidro em busca de uma alternativa.
Observamos alguns movimentos mais progressistas, escolas buscando adequação aos novos tempos, mas a maioria ainda é “de vidro”, ouso afirmar. Não estou aqui me referindo a modismos. Modismo em educação é um perigo. Quando falamos numa escola adequada ao século XXI, não nos referimos a escolas regidas apenas pelas necessidades do mercado. Falo de oferecer oportunidades de a criança desenvolver o espírito crítico, buscar a solução de problemas, ter iniciativa, saber se comunicar. Estar pronto para a leitura do mundo, preparado para as escolhas que tem pela frente.
E certamente não será essa “escola de vidro” que o estará preparando. Quando citamos solução de problemas, estamos indo muito além dos problemas matemáticos que seguem um modelo e a criança acaba por resolvê-los sem raciocinar porque se lembra de todos os outros parecidos da “lista”.
Para não ser de vidro a escola precisa educar para competências e então estará preparando a criança de hoje para um mundo que ninguém pode saber como será. Educar para competências é ajudar o sujeito a adquirir e desenvolver as condições e/ou recursos que precisará mobilizar para resolver uma situação complexa. É permitir e estimular a aplicação de conhecimentos para enfrentar qualquer situação, é a capacidade de escolher entre vários recursos aquele mais adequado ao momento e saber usá-lo também de forma adequada. Competência implica aplicação dos conhecimentos e esquemas aprendidos para desenvolver respostas inéditas, criativas, eficazes para problemas novos. Educar para a competência é estimular sempre os mais altos níveis cognitivos – aplicação, análise, síntese e avaliação. Conhecimento e memorização são o ponto de partida, compreensão o primeiro passo. Ficar nisso é atarraxar cada vez mais as tampas dos vidros.
Algumas escolas acreditam estar abraçando o novo, comprando materiais pedagógicos de última geração, incluindo informática no currículo sem preocupação com projetos apoiados em temas transversais e nem mesmo pensando em associar a informática a alguma disciplina para pesquisa ou programação. Algumas, também, adotam rótulos como “escola construtivista” como um “Abre-te Sésamo”.
Construtivismo significa que nada a rigor está pronto. O conhecimento resulta da interação do indivíduo com o meio físico e social, desde que lhe sejam apresentadas propostas significativas e que possibilitem conclusões e ações que levem ao conhecimento. Construtivismo, segundo pensamos, é a forma de conceber o conhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento e, por consequência, um novo modo de ver o universo, a vida e o mundo das relações sociais.
Uma escola com proposta realmente construtivista revê constantemente a sua metodologia, os seus processos, a sua prática, trabalha para desenvolver competências, preocupa-se com oferecer atividades significativas, quebra os vidros e busca o crescimento dos alunos.
Observo com otimismo que há um movimento de mudança saudável escolas há em que os vidros vêm sendo descartados e a autonomia vem sendo vista como importante no processo educativo. Propostas interessantes vêm substituindo os vidros, gradativamente. É um alento.

 

 

 

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